09 Mai  - 

Do ensino presencial ao ensino à distância

Subitamente toda a comunidade educativa foi confrontada com uma nova realidade: o ensino à distância. Célia Oliveira especialista em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas na Universidade do Minho tem-se dedicado ao estudo da memória e da aprendizagem.

De acordo com a investigadora Célia Oliveira especialista em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas na Universidade do Minho, as estratégias de aprendizagem utilizadas pelos alunos é que são determinantes e em particular, os processos e as estratégias cognitivos que determinam essa aprendizagem. Este artigo é feito com base no seu trabalho.

De que forma o ensino à distância convoca e viabiliza as estratégias de aprendizagem eficazes?

A investigação realizada até ao momento tem-se centrado no ensino superior e na aprendizagem ao longo da vida, pelo que é mais difícil encontrar trabalhos científicos em faixas etárias correspondentes ao Ensino Básico.

Quando as ferramentas de ensino à distância têm em conta o funcionamento cognitivo humano e as estratégias mais eficazes de aprendizagem, então também se podem mostrar úteis para a aprendizagem.

Muitos autores defenderam que como os tempos eram outros tínhamos de aproveitar os computadores para efectivar uma aprendizagem mais activa (bottom-up). Ora o que observamos é o oposto. As estratégias de aprendizagem e de ensino não devem mudar assim tanto com o meio (presencial ou à distância).

O que a investigação mostra é que a diferença do meio determina a forma como a informação é apresentada. Porém, seja através do ensino presencial ou do ensino à distância, a forma como os seres humanos processam essa informação e elaboram sobre ela para poderem realizar aprendizagem é que surge como determinante.

As técnicas que os professores podem utilizar com os computadores e com os tablets são as mesmas que utilizam em contexto de sala de aula. Contudo, convém ter alguns cuidados. É importante, por exemplo, certificarem-se que os alunos dominam o meio, porque com este ensino remoto forçado os alunos de repente são confrontados com ferramentas que não usavam frequentemente.

Durante anos ouvimos dizer que os jovens eram nativos digitais e se sentiam à vontade com estes novos meios. Assumia-se, assim, que o seu meio natural de aprendizagem eram os computadores e os telemóveis. Até se defendia que se devia deixar utilizar o telemóvel nas salas de aula. Mas parece verificar-se o contrário. Mesmo alguns alunos mais velhos parecem não dominar algumas técnicas ou programas. Isto é, os jovens utilizam os diferentes meios para enviarem mensagens de forma bastante ágil, mas nem todos se sentem confortáveis para utilizar essas ferramentas na aprendizagem.

Os alunos tendem a utilizar as ferramentas digitais com finalidades lúdicas e de socialização, o que não significa automaticamente que eles dominem ferramentas, programas e instrumentos novos. É uma questão de familiaridade.

Quando os alunos estão a aprender, devemos garantir que dedicam todos os seus recursos cognitivos à tarefa de aprendizagem. Se estiver perdido à procura de comandos que deve utilizar para acompanhar a aula, isto vai provocar a dispersão de atenção, retirando recursos cognitivos necessários à aprendizagem dos conteúdos ministrados. Assim, o meio utilizado é prejudicial à aprendizagem.

Este é um requisito muito importante e que parece óbvio, mas que por vezes se negligencia por causa da crença já referida de que os jovens dominam automaticamente tudo o que está relacionado com a tecnologia.

E a possibilidade de avaliação?

Quando se utilizam dispositivos móveis é fundamental monitorizar a qualidade da aprendizagem. Os próprios dispositivos permitem esse acompanhamento, nomeadamente através de recapitalizações no início ou no final da aula, de pequenos questionários de resposta breve e aberta que os alunos podem responder sem consultar os materiais, de questionários de escolha múltipla, da aplicação de conhecimentos, de resolução de problemas ou de quizzes.

Esta questão sai ainda mais reforçada se atendermos às limitações que o ensino à distância coloca ao acompanhamento mais personalizado do aluno por parte do professor. O que forçosamente obriga a uma maior monitorização da aprendizagem.

Os meios digitais dão-nos alguns indicadores sobre por exemplo o tempo que os alunos passam nas plataformas, se realizam ou não as tarefas propostas. Todavia, os indicadores meramente comportamentais não são por si só reveladores fiáveis da qualidade da aprendizagem.

Esta monitorização pode ser feita através de uma avaliação formativa continuada para que o professor consiga perceber o nível de aprendizagem dos alunos, mas também para perceber se as estratégias utilizadas estão a surtir os efeitos desejados. E ainda tem um bónus, esta estratégia de recuperação de informação estimula os alunos a ir buscar à sua memória, sem consultar os materiais, aquilo que aprenderam e é em si mesma uma estratégia poderosa de aprendizagem, que funciona em todos os níveis de escolaridade, com as diferentes faixas etárias e com alunos com e sem dificuldades.

Tal estratégia pode servir para efeitos sumativos, mas a avaliação realizada também deve ser interpretada como uma forma de melhorar. É não só possível como é mesmo recomendável.

De acordo com a Psicologia Cognitiva, a informação reorganiza-se cada vez que o aluno é pressionado a recordar o que aprendeu anteriormente. Esse esforço de recuperação, que na Psicologia Cognitiva aplicada à educação chamamos de dificuldade desejada, fortalece o traço de memória associada a essa aprendizagem.

E a distracção?

A atenção é determinante da aprendizagem, pelo que a possibilidade de distracção não pode deixar de ser uma preocupação. Essa dificuldade pode agravar-se neste contexto colocando desafios acrescidos tanto aos professores como aos alunos.

Esta experiência forçada do ensino remoto vem pôr em evidência a indispensabilidade dos professores, uma vez que obriga a um esforço acrescido de monitorização da qualidade de aprendizagem dos alunos, o que não deixa de relacionar-se de modo estreito com a distracção.

O meio digital é altamente distractivo. Nós podemos, estando num computador ou num telemóvel, ter imensos estímulos como outras páginas abertas, hiperligações para coisas que nos interessam e redes sociais ligadas.

Para além desta distractibilidade ser facilmente alimentada pela forma como estas tarefas captam a nossa atenção automaticamente, a aprendizagem escolar obriga a um esforço de atenção voluntária que nós tendemos a evitar. O papel dos professores é uma vez mais essencial para trabalhar com os alunos estas dificuldades de focalização à tarefa.

Que estratégias utilizar?

Podemos recorrer a estratégias já conhecidas, designadamente comportamentais e cognitivas. Ficam aqui alguns exemplos: identificar o que é distractivo para o aluno; que estratégias pode utilizar quando se distrai; estabelecer objectivos, monitorizá-los e avaliar se está a conseguir alcançá-los; estabelecer objectivos partilhados (regulação partilhada), que é algo que pode entreajudar a alcançar objectivos, como conseguir que o aluno esteja 10 minutos com atenção a uma tarefa. A forma como a instrução é dada também pode fazer toda a diferença.

Em suma, podemos realçar três aspectos.

1º) Devemos cuidar a preparação dos alunos, isto é, verificar se os jovens estão preparados para lidar com as plataformas digitais utilizadas;

2º) fazer sempre uma avaliação/recuperação dos conhecimentos (pequenas questões, pequenos testes ou quizzes) para perceber se os alunos estão ou não a aprender e ajudá-los a consolidar as aprendizagens;

3º) encontrar formas de ajudar os alunos a manter a atenção, porque este meio é uma tentação para a distracção.

Votos de um regresso rápido, muita saúde e tranquilidade.

E não se esqueçam… mantenham a Covid-19 lá fora.